terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Entrevista com Ciro Gomes


Originalmente publicada na revista Carta Capital, edição 582, de 10 de fevereiro de 2010

Por Leandro Fortes

Fazia tempo que Ciro Gomes não era tão assediado pela mídia. Mas desde a divulgação das duas mais recentes pesquisas eleitorais à Presidência da República, do Vox Populi e do Instituto Sensus, o deputado do PSB e ainda presidenciável vive cercado de jornalistas. O que todos querem saber é se Ciro será ou não candidato ao Palácio do Planalto, ele que se tornou uma espécie de fiel da balança na disputa entre a ministra Dilma Rousseff e o governador paulista José Serra.

A quem o procurou no Congresso na primeira semana de fevereiro, Ciro repetiu a intenção de disputar a Presidência e não poupou ninguém no espectro político brasileiro. Chamou o ex-ministro José Dirceu de “golpista”; classificou a coalizão PT-PMDB de “roçado de escândalos já semeados”; e ironizou a popularidade do presidente ao declarar que o “santo Lula”, a quem apoia e admira publicamente, estava errado ao polarizar, plebiscitariamente, a disputa entre Dilma e Serra.

Além de se mostrar pouco disposto a ceder ao pedido de Lula para abandonar a disputa, o deputado tem feito críticas sistemáticas à política econômica. Preocupa-se com a degradação das contas externas e acusa o governo de irresponsabilidade fiscal e de manejar as dívidas de forma imprópria. E desdenha dos resultados da pesquisa CNT/Sensus: “Não vou deixar que o Clésio Andrade (presidente da Confederação Nacional dos Transportes – CNT), de Minas Gerais, decida quem será o próximo presidente”.

No mais, acha graça da fama de encrenqueiro e intempestivo que o acompanha desde que, muito jovem, entrou na política, três décadas atrás. “É resultado da minha franqueza.” Acha que chegou a hora de o Brasil se livrar da eterna disputa entre o PT e o PSDB e defende um novo modelo de relações políticas, dentro e fora do governo. A seguir, os principais trechos de uma inédita entrevista concedida por Ciro Gomes a CartaCapital em dezembro. Seu conteúdo continua válido.


CartaCapital: Qual vai ser o desafio das eleições de 2010?
Ciro Gomes: A grande tarefa de 2010, na minha opinião, será a de não permitir que seja apenas uma disputa convencional de Chico contra Manuel e contra Tereza. Será necessário, vença quem vencer, institucionalizar os avanços do governo Lula. Porque tudo melhorou, olhando para trás.

CC: E como é que se resolverá o nó da governabilidade? Todo presidente da República não é obrigado, no fim das contas, a governar com o apoio de oligarcas, patrimonialistas etc.?
CG: Não necessariamente. Isso é uma imposição artificial imposta pela radicalização paroquial do PT e do PSDB de São Paulo. Não tem nada a ver com o Brasil. A questão é a seguinte: não tem nada errado em fazer alianças, desde que você possa publicar, transparentemente, o cimento dessa aliança, as causas para as quais essa aliança se desenhou.

CC: Mas essas alianças não se formam, justamente, em torno de interesses muitas vezes espúrios?
CG: Existe uma fórmula, também. Você pode encerrar essa fase do despotismo esclarecido, que muitas vezes é bem-intencionado. Quantos são os temas que demandam uma coalizão desse tamanho que hoje temos aqui? Não são mais do que quatro: a reforma política, a reforma do Estado, a reforma da previdência e a reforma tributária.

CC: O presidente Lula, na sua opinião, é um déspota esclarecido?
CG: Não, Lula é um presidente com as suas circunstâncias. Um presidente extraordinário. Inclusive, neste caso, é o oposto do déspota esclarecido. Hoje, ele talvez peque mais por excesso de complacência do que por despotismo esclarecido.

CC: Fernando Henrique Cardoso foi um déspota esclarecido?
CG: Fernando Henrique começou como um déspota esclarecido, mas depois se avacalhou e ficou absolutamente complacente. Virou o que houve de pior na vida pública brasileira.

CC: Será possível fugir da polarização PT-PSDB nas eleições do ano que vem?
CG: Qualquer pessoa ou um partido que não esteja comprometido com essa quadra de radicalização paroquial, em São Paulo, pode, perfeitamente, ao redor dos três ou quatro temas centrais do País, fazer um grande entendimento metodológico, não de mérito. Eu, por exemplo, do PSB, posso convocar o PSDB, pelas interlocuções que tenho no partido.

CC: A ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil, teria condições de fazer isso, caso
eleita presidente?

CG: Depende do caminho que ela escolher.

CC: E o governador José Serra, do PSDB?
CG: Com Serra, seria impossível, porque ele é o epicentro dessa briga.

CC: Essa sua opinião não resulta de sua briga pessoal com ele?
CG: Eu sei que querem sempre reduzir a minha relação com Serra a uma animosidade particular. Isso é, inclusive, coisa da máquina de propaganda dele. O atual governador de São Paulo é um elemento central do projeto Fernando Henrique Cardoso. E menciono Fernando Henrique aqui não por particularismo, mas porque, violentando o nosso compromisso social-democrata – e digo “nosso”, porque eu era da mesma turma –, trouxe para o Brasil, acanhadamente, com grande contradição, essa mistura de neoliberalismo com patrimonialismo.

CC: Quais podem ser as consequências no caso de essa briga paroquial entre PT e PSDB perdurar para além de 2010?
CG: Se isso não mudar, em 2011 vamos ter uma crise política muito pior do que a do mensalão, não importa quem seja eleito. A eleição de 2010 é a oportunidade de a gente mudar esse quadro. Temos de fazer da eleição uma aula de pedagogia, de modo a orientar o eleitor a votar, também, em um deputado e um senador decentes, comprometido com as boas causas. Senão o eleitor vai eleger o presidente, mas vai obrigá-lo a negociar com bandido. E depois não pode vir se queixar.

CC: É possível incluir convencer a mídia desse seu projeto de mudança?
CG: Essa mídia que nós temos é um problema, porque, na verdade, ela é um partido político. É sectária, extremamente conservadora e ligada, de forma clandestina, ao interesse plutocrata nacional e internacional. Mas ela também nos ajudou a restaurar a franquia democrática. Então, é preciso paciência. Tem de aguentar, como eu aguentei, a vida inteira. Eu passei de garoto prodígio da política brasileira a novo Collor, sendo a mesma pessoa.

CC: O senhor é sempre cobrado por conta de seu temperamento impulsivo.
CG: Olha, não vou deixar que a oposição use mais os meus erros, e cometi muitos. Porque não sou da plutocracia (elite econômica no poder), não tenho poder econômico, não tenho uma grande máquina do meu lado, e só tenho uma ferramenta de luta, a minha palavra. E, aí, vivo falando.

CC: E o senhor gosta de falar muito?
CG: Tem de ser, senão eu não existo. Mas não é fácil. Recentemente, a Marília Gabriela (entrevistadora do GNT, canal a cabo da Rede Globo), que é uma figura extraordinária, me convidou para dar uma entrevista, marquei para ir, mas a direção da emissora mandou avisar que a entrevista foi cancelada, logo depois. Fui avisado pela produção. Eu já estou acostumado com isso.

CC: Isso acontece com frequência?
CG: Muito, muito. E agora vai acontecer cada vez mais. Eu gravaria, no dia 4 de dezembro (de 2009), uma entrevista na RedeTV!, no programa do Kennedy Alencar (jornalista da Folha de S.Paulo), onde eu já havia estado, mas também foi cancelada. Ou seja, o cerco começou.

CC: Qual o problema da aliança do PT com o PMDB?
CG: Um exemplo que aconteceu recentemente é bem ilustrativo, inclusive para mostrar que a imprensa brasileira, simplesmente, não existe, salvo raras exceções. O deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que virou uma espécie de chefe da Câmara dos Deputados, enxertou numa medida provisória, do Programa Minha Casa Minha Vida, de crédito voltado para moradia popular, uma anistia de crédito-prêmio de exportação que pode chegar a 80 bilhões de reais. O relator do projeto, que era do PT, aceitou. Fui à tribuna falar contra, aí Ciro é o boquirroto, o intempestivo. No fim, o presidente Lula vetou o projeto. Mas isso é o Lula. O próximo presidente, se não mudar essa lógica perversa, não vai conseguir governar.

CC: O senhor acha que Lula terá capital político para voltar à Presidência?
CG: Fácil, fácil.

CC: E o Fernando Henrique Cardoso?
CG: O Fernando Henrique virou uma âncora para matar qualquer um. Quem se ligar a ele perde a eleição. Eles (do PSDB) perderam a redoma em que viveram a vida inteira, por isso, estão pirados. Eles produziram um mundo artificial de mídia, e não sabem o que está acontecendo lá fora. Então, acreditam, realmente, que são muitos bons e que o Lula não presta, porque dentro da redoma é assim que se fala. É uma coisa impressionante.

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